Precisamos aplicar o programa de Compliance no Brasil

Posted on 9 de fevereiro de 2019

 Nas últimas duas semanas, acompanhamos pelos principais canais de comunicação o drama dos brasileiros afetados pelo desastre em Brumadinho (MG). Com o rompimento da barragem da Mina do Feijão, milhares de brasileiros clamam por justiça não apenas pelos mortos e desaparecidos, mas também pelos danos causados ao meio ambiente e ao ecossistema local. O réu deste complexo caso? A empresa mineradora Vale – que já esteve envolvida no desastre de Mariana (MG), em 2015.

Funcionários da empresa reincidente foram presos e indenizações foram oferecidas aos familiares. Entre os debates sobre a responsabilidade das empresas e do meio corporativo para com a natureza e, é claro, para com as vidas humanas, nos vemos – mais uma vez – presos a situações que clamam pelo debate em torno do programa de Compliance.

O Compliance é um conjunto de ferramentas de gestão corporativa que tem como objetivo garantir a transparência empresarial e principalmente o bom cumprimento da legislação de maneira geral. O programa tem como norte a implementação e manutenção da “cultura de honestidade e transparência” e acompanha controles internos e externos, políticas e diretrizes do negócio – auxiliando na segurança e na eficiência da atividade empresarial. Quando bem aplicado, o Compliance é responsável por evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer no âmbito empresarial.

O termo “Compliance” deriva do verbo “to comply”, da língua inglesa, que significa o ato ou ação de agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido. Os órgãos relacionados ao Compliance em instituições são os responsáveis pela garantia do cumprimento de todas a legislatura de um ou mais países (no caso das multinacionais e transnacionais), além de regras e regulamentos aplicáveis. Desta forma, esses departamentos ou unidades possuem uma vasta gama de funções dentro de suas respectivas empresas (monitoramento de atividades, prevenção de conflitos de interesses, etc.).

Atuando como a política interna de uma empresa, é comum que as unidades de Compliance não sejam muito reconhecidas internamente – no entanto, tratam-se de órgãos de extrema importância para a manutenção da integridade e reputação das empresas. Embora os custos com Compliance tenham disparado nos últimos anos, é válido ressaltar os custos por não conformidade – mesmo que acidental – podem ser muito maiores para uma instituição. O descumprimento de leis e regulamentos pode levar a pesadas multas monetárias, sanções legais e regulamentares – isso sem contarmos questões de imagem e reputação.

A ideia de programas de Compliance tem origens nos Estados Unidos e se popularizou na virada para o século XX, com o surgimento das agências reguladoras. Ao final dos anos 70, com a promulgação FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) – a famosa “lei anticorrupção” norte-americana, surgiu no meio corporativo uma obrigatoriedade de manter livros e registros que reflitam precisamente as suas transações, além de estabelecer sistemas adequados de controles internos.

Os EUA também foram responsáveis pela aplicação do Compliance no setor público. O Ministério Público dos Estados Unidos publicou diretrizes para o combate à corrupção nas empresas, mostrando possíveis atitudes “atenuantes” em casos de corrupção. Com a implantação do Compliance, toda a Administração (seja ela direta ou indireta), poderá contar com políticas preventivas que proverão uma gestão administrativa e organização pública eficientes estimulada pela postura ética e pela efetividade dos serviços.

Devido ao número crescente de regulações em todos os países do mundo, os Programas de Compliance têm crescido cada vez mais em tamanho e abrangência, podendo agir pelo cumprimento de normas derivadas de diversas áreas do Direito, como antilavagem de dinheiro, controle de exportações, direito ambiental, direitos humanos e trabalhistas, sanções econômicas e etc.

Pensando estrategicamente… desenvolver a mentalidade e a cultura de um país sério está diretamente relacionado à aplicação de programas de Compliance. Enquanto eles têm se solidificado nos EUA desde o século passado, suas práticas ainda não se popularizaram nas terras tupiniquins. Em junho de 2009, a CGU e o Instituto Ethos publicaram o documento “A Responsabilidade Social das Empresas no Combate à Corrupção”, o primeiro guia brasileiro para orientar as ações das empresas que se preocupam em contribuir para a construção de um ambiente íntegro e de combate à corrupção. O primeiro diploma legal brasileiro a regulamentar programas de Compliance foi Lei da Empresa Limpa, de 2013, que estabeleceu responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública.

O sistema de Compliance deve ser entendido como um conjunto de processos interdependentes que contribuem para a efetividade do sistema de governança e que permeiam a organização, norteando as iniciativas e as ações dos agentes de governança no desempenho de suas funções. Em sua base, devem estar os princípios básicos da boa governança corporativa – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa – apoiados, por sua vez, na prática constante da deliberação ética. Em resumo: é preciso que falemos de Compliance sob o ponto de vista da deliberação ética, como mecanismo de cumprimento de leis, normas e regulamentos, de proteção contra eventuais desvios de conduta e de preservação e geração de valor econômico das organizações.


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