É HORA DE JUNTARMOS OS CACOS E PENSARMOS NO FUTURO!
Posted on 2 de novembro de 2018
Você está caminhando por uma loja de belíssimos espelhos. Em meio aos diferentes modelos e tamanhos, você enxerga um que, sob sua perspectiva, ficaria perfeito como decoração em sua sala de jantar. Você se aproxima de um vendedor para comunicar seu interesse e, então, percebe que outra pessoa conversa com ele sobre o mesmo espelho. Desconfortável, ele comunica que este é o último modelo disponível do espelho em questão.
Está armado o circo: de repente, você se vê em uma discussão sobre quem deve levar o espelho pra casa – quem viu primeiro, quem paga mais, quem cuidará melhor, qual casa combina mais com a decoração. Em seguida, você e o “rival” já descem de nível, partindo para os ataques pessoais, acusações e preconceitos sobre os planos de decoração um do outro. Finalmente, a obsessão pelo mesmo “objeto” chega ao limite do absurdo, onde cada um segura uma ponta do espelho, utilizando a força física para tentar “vencer” a batalha.
Enquanto isso, toda a loja – vendedores e clientes –, assiste a rivalidade tomar rumos catastróficos sem fazer absolutamente nada. Algumas pessoas, inclusive, tomam partido dos envolvidos na briga, e começam a discutir entre si sobre quem deve levar o espelho pra casa – discussões estas que também acabam em pequenas brigas e trocas de farpas. A catástrofe esperada finalmente acontece. No calor da disputa, o espelho cede e quebra em centenas de pequenos cacos. O que fazer agora?
Originária do grego “kakos”, a palavra caco deriva de “kaío”, que significa queimar ou destruir pelo fogo. Apesar de não ter a mesma significação nos dias de hoje, a denotação de algo destruído ou estraçalhado ainda acompanha a palavra “caco”, já que uma coisa “em casos” está quebrada ou mesmo destruída. Nesse contexto, a expressão “juntar os cacos” surge tendo como denotação “limpar a bagunça” ou “remendar a vida”. Juntando os cacos, é possível aprendermos com nossos erros, acertos e frustrações para, talvez, construirmos um mosaico – muitas vezes muito mais bonito e bem construído que a obra “original”. A mensagem que a expressão passa é a de que um passado mal resolvido e não integrado pode, com um pouco de esforço, se transformar em algo belo e utilitário. A situação hipotética apresentada no início desse texto e a explicação sobre “juntar os cacos” não te lembra alguma coisa?
Nas últimas semanas, temos experimentado uma situação semelhante à da loja de espelhos em nosso contexto político. Explicando a analogia, podemos afirmar que o espelho em disputa é o Brasil. Você e seu rival representam os dois planos políticos em oposição no segundo turno das Eleições, defendendo suas ideologias e seus planos de governo enquanto disputam. Os eleitores são representados, neste cenário, pelos presentes na loja, que assistem a tudo sem intervir diretamente e se envolvem em atritos e brigas – muitas vezes violentas – defendendo o seu “candidato”. O resultado disso, já sabemos: um país literalmente em cacos, destruído pela fragmentação política e pelas relações quebradas durante o processo eleitoral.
No último domingo, este processo chegou ao fim. Mas os reflexos da fragmentação política nos perseguirão pelos próximos quatro anos, uma vez que ela representa um obstáculo à governabilidade e, por extensão, à consolidação da democracia. É fácil refletir sobre os perigos da fragmentação: se o poder se encontra dividido, os conflitos tendem a ser mais frequentes, distanciando cada vez mais a solução. Mas, passadas as Eleições, é preciso olharmos para esta fragmentação política com outros olhos, enxergando um fator construtivo para nossa democracia – apesar de dificultar os entendimentos, ela contribui para as habilidades de negociação de nossos líderes – que devem sempre prezar o entendimento em prol do bem-comum – e também para a própria consolidação das instituições.
Pensando estrategicamente, é hora de juntar os cacos e começar a pensar no futuro, refletindo sobre nossos erros e acertos nas últimas semanas e, principalmente, nos últimos anos. Em tempos de mudanças, precisamos refletir para além de nossas realidades e ideologias. Precisamos transcender nossa resistência em aceitar o que é novo e apostar na união e na empatia. No lugar de pensarmos sobre vitoriosos e derrotados, precisamos dirigir nossos esforços para reconstruir tudo o que foi quebrado e danificado durante esse processo importante de mudança. Só assim poderemos, em coletivo, juntarmos todos esses cacos e construirmos, a partir deles, uma nova história para nosso país – um mosaico mais bonito, mais colorido e mais plural. E viva a nossa democracia!
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