Agressões a professores: a educação precisa de disciplina?

Posted on 29 de setembro de 2018

A violência faz parte do dia a dia do brasileiro. Ela se manifesta nas ruas, nas casas, no mercado de trabalho e com intensidade até mesmo nas escolas. Assédios morais, desigualdade de gênero, racismo, classicismo, intolerância religiosa que se manifestam na forma de violências físicas, psicológicas, verbais e simbólicas, enfim… existe uma infinidade de maneiras em que ela pode afetar a população. Na última semana, presenciamos mais um episódio lamentável que ilustra essa realidade brasileira: um professor sendo agredido verbal e fisicamente por alunos dentro da sala de aula.

Além de ilustrarmos a questão da violência no país, o episódio também demonstra outro dos grandes problemas da sociedade brasileira: o descaso do Estado e das famílias com a Educação e o desrespeito para com a classe dos professores.

A situação é revoltante. Falamos não apenas de uma das ocupações mais relevantes da sociedade (tendo em vista que as demais, na sua maioria, dependem dela) – falamos também dos indivíduos responsáveis pelo ensino da ciência, da arte, técnicas e conhecimentos específicos das grandes áreas do conhecimento. É uma profissão que exige muito mais do que um domínio pleno das disciplinas ensinadas, afinal, de que adiantam todas as titulações e qualificações se não existe a habilidade de transmitir este conhecimento? A pedagogia é parte integral da “arte” de lecionar.

Além disso, trata-se de uma das profissões mais antigas da história da humanidade. A função de ensinar é muito anterior ao processo de criação das primeiras instituições educadoras da História. Basta olharmos para os filósofos mais importantes de nossa história, como Sócrates, Platão e Aristóteles. Mesmo antes da invenção da escrita, a oralidade auxiliava os primeiros mestres em suas funções de repassar ensinamentos que eram considerados importantes para as sociedades antigas – por exemplo, na Grécia Antiga, os professores espartanos prezavam pelo aprimoramento das habilidades físicas para a guerra. Já os atenienses, mais preocupados com o equilíbrio entre corpo e a mente, delegavam tarefas específicas a cada tutor: enquanto uns cuidavam do desenvolvimento intelectual, outros eram responsáveis pelo ensino da escrita e da leitura. Haviam, ainda, os professores especializados no aprimoramento físico.

Já no Brasil, a Educação teve um “início de carreira” um tanto quanto elitista, D. Pedro I, por meio de um decreto imperial em 1827, determinou que “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. Entretanto, apenas as famílias ricas tinham condições de contratar professores para educar seus filhos – o que não é muito diferente nos dias de hoje, quando pensamos na situação dos Ensinos Fundamental e Médio sob responsabilidade do Estado. Uma das principais problemáticas do ensino público, inclusive, é a má remuneração dos professores e o desleixo com a infraestrutura.

Em países como Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França, o ato de lecionar é altamente restrito e organizado de maneira impressionante, havendo classes diversas de docentes de acordo com suas titulações, tempo de docência, teses e artigos publicados. Apesar de uma maior criticidade em relação à profissão, são notáveis a responsabilidade e o respeito reservados a ela. Com isso, podemos perceber diferenças importantes em relação ao Brasil: os professores são uma classe organizada, respeitada, bem remunerada e que ocupa um espaço de prestígio na sociedade.

Em meio a este cenário de descaso com a classe docente, adentramos a pauta da violência da sociedade brasileira e seus inúmeros reflexos, como a indisciplina dentro da sala de aula – um comportamento comumente atribuído à falta de limites dentro de casa e ao descontrole dos pais sobre seus filhos. É claro que, em parte, esta premissa é verdadeira, uma vez que graças a ela o respeito, a responsabilidade e a solidariedade deixaram de fazer parte do vocabulário cotidiano.

Entretanto, a questão da indisciplina escolar é um assunto polêmico e amplamente debatido no meio pedagógico. Descobrir as suas causas destes fenômenos não é tarefa fácil, mas é impossível dissocia-lo de fatores como as desigualdades econômicas e sociais, a crise de valores, a falta de limites e o conflito de gerações. É preciso reflexão para compreender este panorama.

Seria a indisciplina um produto de uma sociedade que não criou apreço pelos valores humanos e acabou formando adultos sem referenciais de cidadania e de respeito pelo próximo? Seria pela falta de limites no seio da família, uma instituição que não teria mais controle sobre seus filhos? Como estabelecer uma verdadeira parceria entre pais e escola, quando muitas vezes a educação familiar diverge dos valores ensinados na escola? Como trabalhar eficientemente com o estabelecimento de limites, de modo a ajudar na socialização e no crescimento das crianças visando uma disciplina emancipadora? São vários questionamentos profundos acerca de como agir, traçar limites de maneira firme e amorosa e inserir no processo educacional valores que possibilitem a formação integral de nossos alunos.

Pensando estrategicamente, as causas da indisciplina são múltiplas e, muitas vezes, estão mais nos contextos que a produzem do que no indivíduo. Mas, como indisciplina gera indisciplina – da mesma maneira que a violência gera violência –, ela pode expressar, na realidade, alguma coisa para além do desejo de perturbar ou de ser indisciplinado. Precisamos nos atentar para outras possibilidades, como por exemplo o fato de a disciplina representar a dificuldade do aluno para ser reconhecido, “pertencer”, ou mesmo a expressão dos maus tratos que recebe e até mesmo de problemas familiares, como acreditam os estudiosos da pedagogia e dos estudos sociais. A disciplina é condição fundamental para a formação da cidadania e para a concentração dos alunos em processos de aprendizagem e bom aproveitamento. A disciplina é o primeiro princípio da educação, e ela se dá no ambiente doméstico.

00Urge a necessidade de reconhecermos e tratarmos suas causas e efeitos, para que assim possamos proteger tanto os estudantes quanto a classe docente, que é a base de toda a formação de nossa sociedade.


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