Política, idolatria e a síndrome de Estocolmo

Posted on 9 de março de 2019

Há algumas semanas, debatemos neste espaço sobre os perigos que os ídolos dos pés de barro oferecem para a nossa sociedade. Tratam-se de ameaças perigosas, que cegam as pessoas a níveis preocupantes e, quando elevadas ao padrão de idolatria, são capazes de causar graves danos ao equilíbrio democrático de um país.

Antes de discutirmos mais a fundo sobre estas imensas problemáticas. O ato de venerar, por exemplo, representa o culto prestado aos santos, bem como às imagens e relíquias que os representam. A veneração se completa quando faz referência a algo de caráter divino, entretanto, fora do âmbito religioso também existe a prática de venerar e honrar personalidades. Seguindo a mesma “linha”, a idolatria aparece como um termo genérico para referir-se a quaisquer práticas de adoração a ídolos – ligados ou não a religião, embora não seja bem vista por algumas religiões, como as de natureza “abraâmica”.

A idolatria e a veneração, contudo, há muito perpassaram os limites religiosos e adentraram o âmbito político e social – não apenas no Brasil, mas no mundo como um todo. A cegueira causada por esses comportamentos e práticas foi responsável pela construção de regimes perigosos, corruptos e antidemocráticos. É claro que a ideologia, a crença em uma ideia ou doutrina é algo inerente às práticas políticas, mas transformá-la em idolatria, não apenas permite o apogeu de homens comuns, suscetíveis a erros e acertos, a poderes inigualáveis, como também mina toda e qualquer possibilidade de diálogo e criação de uma ágora pública entre os mais extremos espectros do plano político – que possuem, cada um, suas respectivas contribuições para a busca pelo bem comum.

Embora existam inúmeros exemplos históricos acerca desses fenômenos, é na era da internet que eles se amplificam e ganham novos desenhos. Basta uma rápida olhada pela sua “linha do tempo” – seja ela no Facebook, Twitter ou Instagram – e tenho certeza que você será capaz de observar personalidades políticas que se tornaram até mesmo decoração de festas de aniversário e de noivado. Até mesmo empresas distribuíram material de apoio de candidatos x e y para seus funcionários!

Ainda que tratemos de um grau de fanatismo político “leve” e que, por muitas vezes, pode soar como um motivo de piada, é preciso relembrar cases como o insolúvel caso de desumanismo na Coreia do Norte, que chega ao nível do canibalismo; a morta política venezuelana; o povo cubano vivendo num presídio com muros d’água há mais de seis décadas; o conflito enigmático e profundamente controverso em que se encontram a Síria e o Oriente médio, entre tantos outros, que denunciam os perigos desse tipo de comportamento que eleva homens aos lugares de deuses..

É patente ver o tratamento que a população está dispensando atualmente aos assuntos políticos e em como as disputas republicanas foram transformadas em espetáculo e “brigas de torcida”. A idolatria e a veneração já nos demonstraram por diversas ocasiões que, quando se busca o céu na terra, é o inferno o que vai encontrar. E não pautamos esta discussão sob a perspectiva ilusória de que devemos alcançar a tão sonhada imparcialidade. Não, todos possuem políticos e visões preferidas. Concordando mais com uns do que com outros, mas nunca idolatrando ou prestando culto aos seus “santos” nomes, e sim colocando, a velha e boa recomendação de Russell Kirk sempre a frente de nossos debates: a prudência.

A literatura também nos ensina que os ativismos, quando cegos demais, alienam… George Orwell não escreveu 1984 entre lágrimas por um motivo tolo. Alexandre Soljnistein, ao escrever Arquipélago Gulag na intenção de retratar o que as políticas de massa causam, não arriscou sua vida à toa. Eles o fizeram justamente para mostrar onde findam as idolatrias a governos e ideologias. Eles o fizeram para mostrar que a sociedade está, cada vez mais, presa à lógica da famosa “Síndrome de Estocolmo”, muito graças aos comportamentos aqui discutidos.

Trata-se de um estado psicológico em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia, e até mesmo amor ou amizade, perante o seu agressor. Essa síndrome recebe seu nome em referência ao famoso assalto de Norrmalmstorg do Kreditbanken em Norrmalmstorg, Estocolmo, ocorrido em 1973. Nesse acontecimento, as vítimas continuavam a defender seus raptores mesmo depois dos seis dias de prisão física terem terminado e mostraram um comportamento reticente nos processos judiciais que se seguiram. Essa postura soa familiar? Não é chegada a hora, em plena Era da Informação, de nos libertarmos das armadilhas dos políticos profissionais?

Pensando estrategicamente… não podemos permitir que pessoas com má fé cheguem ao poder – e, caso cheguem, é nosso dever enquanto eleitores dessas pessoas, despi-las de seus privilégios de poder, e não as reeleger, concedendo mais poder às suas mãos. Devemos exigir políticas públicas de qualidade que atendam realmente aos interesses da maioria da população – sem nos intimidarmos com o “poder” que eles pensam que possuem. Se agirem de maneira corrupta, não podemos dar de bom grado o nosso voto – ferramenta mais importante da democracia – em suas mãos, e muito menos defendê-los, criando um cenário manipulado onde homens corruptos parecem vítimas e não responsáveis pelos crimes e problemas que enfrentamos em nosso país.

A cura para a nossa “Síndrome de Estocolmo” só será possível se abdicarmos do analfabetismo político para conquistarmos o protagonismo da nossa história. Precisamos fazer as escolhas certas e assim ficarmos livres daqueles que sequestram as nossas vozes, a nossa dignidade, honra e nos privam dos serviços essenciais e de qualidade. Não podemos ficar inertes na aparência dos pequenos gestos de “bondade”, nas falsas promessas ou no falso poder que os opressores exibem cotidianamente para intimidarem e fragilizarem o todo. Democracia é o poder que emana do povo e deve ser exercido sempre para beneficiá-lo!


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